EMENTA: Apelação cível. Ação de exoneração de alimentos. Devedor. Constituição de nova família. Irrelevância. Credores que atingiram a maioridade. Persistência da necessidade não comprovada. Exoneração admissível. Alimentos intuitu familiae. Divisibilidade. Credora remanescente. Inexistência de convenção quanto a eventual desigualdade de quotas. Prevalência da presunção legal de igualdade. Exoneração proporcional devida. Recurso parcialmente provido.1. A exoneração da obrigação de prestar alimentos pressupõe não haver possibilidade por parte do devedor de continuar a adimpli-la ou cessar a necessidade do credor.2. A constituição de nova família pelo devedor não é motivo para ser admitido o desequilíbrio no binômio necessidade do credor e possibilidade do devedor.(art. 26 da Lei n° 6.515, de 1977).3. Presume-se que os filhos maiores não têm necessidade de alimentos. Todavia, tal presunção fica elidida com a prova em sentido contrário. Ausente prova da necessidade, cessa a obrigação de prestar os alimentos.4. A obrigação alimentar, ainda que arbitrada intuitu familiae, não perde seu caráter de divisibilidade.5. Inexistindo convenção em contrário, na obrigação subjetivamente divisível, deve prevalecer a presunção legal de igualdade das quotas (art. 257 do código civil de 2002).6. A exoneração dos alimentos, ante a ausência de convenção em contrário, deve ocorrer somente quanto às quotas dos ex-credores, em igual proporção, remanescendo o crédito proporcional da credora remanescente.7. Apelação cível conhecida e provida em parte para alterar o percentual da exoneração.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0016.07.076039-8/001 - COMARCA DE ALFENAS - APELANTE(S): W.T.L. - APELADO(A)(S): L.O. E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. CAETANO LEVI LOPES
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL.
Belo Horizonte, 24 de março de 2009.
DES. CAETANO LEVI LOPES - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:
VOTO
Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade.
O apelante aforou esta ação de exoneração de alimentos contra os apelados L. O., L. O. L. C., W. W. O. L., L. O. L. S. e W. T. O. L. Asseverou ser, respectivamente, ex-marido e pai dos recorridos. Acrescentou que ficou acordado, há quinze anos, na ação de separação, que ele pagaria pensão alimentícia aos recorridos, à base de 40% de seus rendimentos líqüidos. Acrescentou que, em razão de ter constituído nova família, está impossibilitado de continuar suportando o encargo. Asseverou que os apelados não mais necessitam dos alimentos, uma vez que a apelada L. O., que antes da separação não tinha renda alguma, hoje, passou a receber aluguel de uma das casas que foi partilhada em seu favor e, também, de seu trabalho informal em uma lanchonete. Asseverou que seus filhos L. O. L. C., W. W. O. L., L. O. L. S., hoje, são casados e W. T. O. L. é maior, não estuda e aufere rendimentos próprios. Os apelados L. O. e W. T. O. L afirmaram que a necessidade deles permanece. Os demais apelados, apesar de terem esclarecido que não dependem mais dos alimentos, entendem que não pode haver redução, eis que a pensão foi estipulada intuitu familiae. Todos negaram a redução da capacidade contributiva do recorrido. Pela r. sentença de ff. 127/128, a pretensão foi rejeitada.
O thema decidendum consiste em verificar se persiste a necessidade dos recorridos em receber pensão alimentícia do apelante e se há o direito de acrescer em favor da primeira recorrida.
O exame da prova revela o que passa a ser descrito.
O recorrente carreou, com a petição inicial, os documentos de ff. 13/39. Destaco as certidões de nascimento de R. S. D. L., W. W. T. L e W. T. L. J. (ff. 14/15 e 21), filhos do apelante com R. M. S. D., as certidões de casamento (ff. 16/19) do recorrente com L. O., de L. O. L.C., de W. W. O. L. e de L. O. L. S., a certidão de nascimento de W. T. O. L. (f. 20), demonstrando que ele é maior, os certificados de conclusão da educação básica e do ensino fundamental de W. T. O. L. (ff. 22/23), as fotos de ff. 24/29, o demonstrativo de pagamento do apelante (f. 30), informando que ele auferiu, em julho de 2007, rendimento bruto de R$3.592,26 e R$724,83 líqüidos, a cópia do acordo celebrado na ação de divórcio (ff. 31/39), em que consta o importe de 40% sobre o salário líqüido do recorrente, assim como a partilha de bens.
Os recorridos acostaram, com a contestação, os documentos de ff. 81/106. Merecem atenção a declaração (f. 90) do sócio administrador da Sorveteria e Lanchonete Pakera Ltda., informando que a apelada L. O., na condição de faxineira, percebe renda média mensal de R$215,60, equivalente a quatro horas de serviço diários, o contrato de locação e o recibo de pagamento respectivo (ff. 92/93), as declarações de vizinhos (ff. 94/95), a cópia da carteira de trabalho da recorrida L. O. (ff. 96/97), em que consta a remuneração de R$1,55 por hora, as fotos da residência do apelante (ff. 98/101), as fotos da residência em que residem os apelados L. O. e W. T. O. L. (ff. 102/104), o comprovante de despesa (f. 105) e a certidão negativa de bens (f. 106) em nome da recorrida L. O. Em audiência, foi feita juntada dos documentos de ff. 129/132. Destaco o termo de rescisão do contrato de trabalho da apelada L. O. (ff. 131/132), demonstrando que ela está desempregada.
Não houve produção de prova oral. Estes os fatos.
Quanto ao direito e no que tange ao primeiro tema, sabe-se que a obrigação de alimentar decorre de existir necessidade por parte daquele que se diz credor e possibilidade do suposto devedor. Se a primeira desaparece, é possível a exoneração. Nesse sentido, eis a lição de Orlando Gomes, na obra atualizada por Humberto Theodoro Júnior, em Direito de família, 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 430:
Não basta, todavia, a existência de um vínculo de família para que a obrigação se torne exigível; é preciso que o eventual titular do direito à prestação de alimentos os necessite de verdade. Necessário, numa palavra, que esteja em estado de miserabilidade. Por tal deve-se entender a falta de recursos, sejam bens ou outros meios materiais de subsistência, mas, também, a impossibilidade de prover, pelo seu próprio trabalho, à própria mantença.
(...) Ainda, porém, que faça jus ao recebimento da prestação de alimentos, por estar em condições de reclamá-lo, o alimentando não pode exercer o seu direito se aquele de quem os exige não tiver condições de satisfazê-la.
A potencialidade econômico-financeira da pessoa de quem podem ser exigidos os alimentos, é, assim, um pressuposto da obrigação, tal como a necessidade do alimentando. Não basta que um precise, importa, igualmente, que o outro possa dar, mas há vínculo familiar e o interessado se encontra em estado de miserabilidade, a obrigação existe, sendo apenas inexeqüível."
O recorrente afirmou que sua capacidade de prestar alimentos foi reduzida pelo fato de ter constituído nova família. Porém, não restou demonstrado de forma inequívoca que tal fato reduziu sua capacidade para adimplir a obrigação.
A constituição de nova família não é razão para redução da pensão alimentícia conforme prelecionam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery no código civil anotado, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 751:
Constituição de nova família. Redução da pensão. Inadmissibilidade.
Piora da situação financeira do alimentante não comprovada, constituição de nova família não constitui motivo suficiente para a redução, principalmente quando os outros dois filhos já eram nascidos à época do acordo (Ac 2081304/4-00, rel. Des. Assumpção Neves, v. u., j. 22.10.2001). No mesmo sentido: Redução da pensão devida aos filhos e à ex-mulher. Formação de nova família. Irrelevância (TJSP, AC 1887324/8-00, rel. Des. Cezar Peluso, v. u., j. 16.10.2001); Nova união não é motivo para redução dos alimentos (TJSP, AC 2088544/8-00, rel. Des. Mattos Faria, v. u., j. 8.10.2001); O fato do pai ter constituído nova família não o autoriza a pretender diminuir o montante fixado pois sabia da obrigação de pensionar filho menor de outro leito (Ag 2060774/7, rel. Des. Marcondes Machado, v. u., j. 14.08.2001).
Quem constitui nova família deve ter a necessária responsabilidade pelo ato que pratica. Os credores não podem ser responsabilizados pelo aumento de despesa decorrente de ato voluntário do devedor ao assumir novos encargos. O fato de o apelante ter mais três filhos de outro relacionamento não altera as obrigações decorrentes de leito anterior, nos exatos termos do art. 26 da Lei n° 6.515, de 1977.
Portanto, a redução da possibilidade deve ter outro motivo. E nem poderia ser diferente. Se o apelante vier a ter mais três filhos, por exemplo, e observada a proporcionalidade da redução pretendida, o apelado terá que pagar ao invés de receber pensão, o que, evidentemente, é um absurdo.
Por outro lado, é de geral ciência que, completando os credores dos alimentos a maioridade, cessa a presunção de necessidade. Todavia, se comprovada a necessidade, persiste a obrigação do devedor. A propósito, em situação análoga este egrégio Tribunal de Justiça decidiu:
Alimentos. Filho maior cursando universidade. Procedimento através da Lei nº 5.478/68.
Pode o filho, independentemente de idade, buscar alimentos em face do parentesco, através das normas procedimentais da Lei nº 5.478/68, devendo o Juiz, quando dúvida houver, ter a cautela de não conceder os provisionais.
A maioridade do filho não elide o dever do pai de prestar-lhe alimentos, quando aquele não possuir emprego para se manter e esteja cursando universidade. (Ac. na Ap. nº 88.552 - 2, 2ª Câmara Cível, rel. Des. Paulo Medina, j. em 22.09.1992, in Jurisprudência Mineira, 121/278).
Ora, o término da necessidade é fato constitutivo do direito de quem pleiteia a exoneração, vale dizer, do devedor. Logo, a ele incumbe o respectivo onus probandi, nos termos do art. 333, I, do CPC. Eis a lição de José Frederico Marques nas Instituições de direito processual civil, Campinas: Millennium, 2000, vol. III, p. 342:
Como os fatos aduzidos pelo autor são os elementos constitutivos do pedido que deduziu em juízo, cabe-lhe o ônus de provar esses fatos para que sua pretensão seja acolhida e julgada procedente. Quanto ao réu, os fatos que lhe incumbe provar são os que forem invocados como impeditivos, modificativos ou extintivos do pedido do autor.
As certidões de casamento e de nascimento (ff. 17/20), juntadas pelo apelante, comprovam o nascimento de suas quatro filhos, nas datas de 06.05.1977, 08.11.1979, 25.07.1983 e 21.06.1989, sendo que três deles já estão casados, o que revela que, realmente, atingiram a maioridade, circunstância que faz presumir ter cessado a necessidade. Esse fato, quanto aos recorridos L. O. L. C., W. W. O. L., L. O. L. S. e W. T. O. L., restou incontroverso em razão da confissão deles feita na contestação (f. 78, item "d") de que não mais necessitam dos alimentos e, também, em audiência (f. 127), ocasião em que concordaram com a exoneração em relação a eles.
Em relação à recorrida L. O., verifico que ela está desempregada (ff. 131/132). Logo, restou demonstrado que persiste a sua necessidade de receber alimentos.
Assim, quanto ao primeiro tema, está correta a sentença.
Em relação ao segundo tema, a matéria ficou, então, restrita em se perquirir se instituídos os alimentos intuitu familiae e exonerados da pensão alimentícia quatro dos credores, teria a recorrida L. O. o direito de acrescer, ou seja, o direito à integralidade da pensão anteriormente acordada ou apenas a quota parte.
É sabido que a pensão alimentícia pode ser arbitrada intuitu familiae, ou seja, é estabelecido um quantum único, beneficiando mais de um credor, o que, todavia, não retira do referido encargo seu caráter de divisibilidade, conforme esclarece Yussef Said Cahali, em Dos alimentos, 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 336:
(...) quando a pensão é fixada de maneira global, presume-se que é intuitu familiae, vale dizer, determinada em consideração ao necessário à manutenção da situação familiar como um todo, sob o comando da esposa.
E, posteriormente, na p. 172:
Não sendo a obrigação alimentar solidária, mas conjunta, ela o é, igualmente divisível.
Dessa forma, ainda que inexista, no acordo celebrado, distribuição de percentual entre os credores, não há óbice em admitir a divisibilidade da obrigação, o que se impõe diante da ausência de necessidade de quatro dos credores. Nesse sentido, já se posicionou este Tribunal:
Família. Alimentos. Parcela, cujo importe foi anteriormente acordado, destinada ao núcleo familiar - intuitu familiae. Possibilidade da cisão de tal prestação, caso um ou mais dos credores deixe de fazer jus ao percebimento do benefício. Recurso desprovido (Ac. na Ap. nº 1.0209.02.017998-9/003, Sétima Câmara Cível, rel. Des. Pinheiro Lago, j. em 30.08.2005, in www.tjmg.gov.br)
Sabe-se, também, que a obrigação divisível ativa ou passiva, por presunção legal, é repartida em quotas iguais (art. 257 do código civil de 2002). Entretanto, a presunção é iuris tantum, permitindo que as partes, de forma expressa, no título da obrigação, repartam as quotas de forma desigual. É o entendimento adotado por Caio Mário da Silva Pereira na obra atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes, Instituições de direito civil, 20. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, vol. II, p. 74:
Os princípios cardeais são, pois, bastante nítidos: na unidade de devedor e de credor, a prestação é realizada na sua integralidade, a não ser que as partes tenham ajustado o contrário. Na pluralidade de sujeitos, a prestação reparte-se pro numero virorum, criando obrigações distintas e recebendo cada credor do devedor comum, ou pagando cada devedor ao credor comum, a sua quota parte - concursu partes fiunt. Conseqüência, ainda, é que cada devedor tem o direito de oferecer e de consignar a sua parte na dívida, não podendo o credor recusar. Exceções a esta regra são duas: a primeira reside na convenção: se se estipulou que o pagamento é integral, assim se fará, ainda que divisível a prestação. A segunda é, na solidariedade, submetida a princípios que lhe são próprios.
Ora, a obrigação em exame é subjetivamente divisível. Não há convenção criando desigualdade entre as quotas. Logo, levando-se em conta que o crédito é de 40% para cinco credores, cada um tem 8% do mesmo. Exonerada a obrigação relativamente a quatro credores, deve remanescer para a apelada L. O. somente 8%. É claro que, em ação revisional, ela pode demandar a revisão do percentual. Mas, aqui, insista-se, não há direito de acrescer.
Logo, a irresignação em parte é pertinente.
Com esses fundamentos, dou parcial provimento à apelação para reformar em parte a sentença e exonerar o apelante em 32% da obrigação alimentar, percentual que cabia aos filhos do recorrente.
Condeno os apelados no pagamento de 80% das custas processuais, inclusive as deste recurso, e honorários advocatícios, os quais arbitro em R$2.000,00, observado o disposto na Lei n.º 1.060, de 1950.
O SR. DES. AFRÂNIO VILELA:
VOTO
Estou a acompanhar o voto de lavra do e. Relator, Desembargador Caetano Levi Lopes. Restando demonstrada e ausência de necessidade dos alimentados em receberem a pensão alimentícia, deve o alimentante ser exonerado de sua obrigação, mantendo-a proporcionalmente em relação àquele que ainda dela depende.
Para evitar futuras discussões, tenho por bem esclarecer sobre quais valores devem incidir o percentual fixado a título de pensão alimentícia. Dessa forma, elucido que o salário liquido do alimentante consiste no montante por ele percebido, que no demonstrativo de pagamento acostado à f. 30 consistem nos valores correspondentes aos códigos 0010, 0012, 0029, 1202, descontados os valores decorrentes de obrigações legais (código 314 e 401) e assistência médica e odontolófica ( código 3422, 3423).
O percentual de 8% deverá incidir sobre o resultado da operação matemática acima, pena de que o salário líquido percebido pelo alimentante seja reduzido em função de parcelas das quais não aproveitam a alimentada.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO PARCIAL.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJMG - Civil. Alimentos. Ação de exoneração. Devedor. Constituição de nova família. Irrelevância. Credores que atingiram a maioridade. Persistência da necessidade não comprovada. Exoneração admissível. Alimentos intuitu familiae. Divisibilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2011, 21:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /23862/tjmg-civil-alimentos-acao-de-exoneracao-devedor-constituicao-de-nova-familia-irrelevancia-credores-que-atingiram-a-maioridade-persistencia-da-necessidade-nao-comprovada-exoneracao-admissivel-alimentos-intuitu-familiae-divisibilidade. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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